Era uma vez um homem chamado Charles que morava no interior da Bahia na cidade de Vitória da Conquista. Este simpático senhor, dono de um mercadinho era bastante conhecido na cidade e para completar, possuía um carro que virou a sua marca registrada. De longe sabiam onde ele estava – prato cheio para uma cidade de interior. Como era um homem muito correto, nada tinha a esconder de sua mulher Josefina, portanto, ser reconhecido em qualquer parte nunca lhe criou qualquer problema.
Quando o seu carro completou 10 anos, resolveu ir até a Chapada Diamantina com ele onde dirigiu por trilhas no Vale do Capão (quem já foi conhece a buraqueira que é). Até ele mesmo achava que quando retornasse teria que vender o carro. Ledo engano, ao retornar, verificou que o alinhamento e balanceamento que tinham sido ajustados nos dias anteriores à viagem permaneciam impecáveis. Com isso, seus filhos criaram a brincadeira de dizer que o pai tinha um Corolla 10 – 10 anos atrás. Daí surgiu o apelido de Highlander – o carro imortal. Este espetacular automóvel, tratava-se de um Corolla Fielder, do ano de 1993, da primeira frota de Toyotas importados que chegaram ao Brasil.
Em 2009, Charles que sempre adorou comer muitos doces (de uma família com tradição em fabricar sequilhos em Vitória da Conquista), se tornou diabético e começou a ter a visão comprometida o que lhe impossibilitou de dirigir. Aos poucos o seu quadro foi piorando, já não podia mais trabalhar, depois tinha que ficar em casa, em cima da cama e foi morrendo aos poucos.
Uma tristeza enorme ver aquela pessoa, sempre tão alegre e ativa perder o seu brilho. O mais interessante é que nunca perdeu o bom humor. Seus filhos não deixaram que soubesse que o seu carro havia sido vendido, fato ocorrido quando ele chegou ao estado que não mais levantava da cama de forma que não teria como sentir falta de ver o automóvel na garagem.
A luta pela sobrevivência foi enorme, mas a diabetes é realmente uma doença traiçoeira. Por fim, após quase dois anos de muito sofrimento, Charles faleceu. Já nos últimos meses, tinha sido transferido para Salvador, onde residiam os seus filhos, sendo um deles médico, para obter maior assistência hospitalar, após contrair sérias infecções.
No dia de seu sepultamento, aquela agonia de ligar para os parentes e amigos, avisar para aqueles que vinham do interior poderem estar presentes e ainda ter que providenciar roupa, caixão, cemitério... Para completar, seu filho teve a sensação de que estavam querendo se aproveitar da fragilidade do momento para cobrar preços escandalosos e teve a lucidez de ainda sair atrás de outra funerária (havia uma próxima à outra).
Chegando nesta outra funerária, constatou que realmente os preços na funerária vizinha estavam abusivos e ainda encontrou um caixão que lhe agradou mais. No meio disso, sentiu um pouco de falta de ar com o excessivo cheiro de rosas do local e pediu licença da loja para tomar um ar fresco na porta enquanto passavam o cartão de crédito. Chegando lá fora tomou um enorme susto ao ver estacionado na porta da funerária ninguém menos que Highlander. Retornou à loja assustado até descobrir que pertencia à funerária e que o último passeio de carro de seu pai seria nele.
Baseado em fatos reais.