E assim, transcorreu todo o percurso. Ela me perguntou onde era o médico e se eu sabia chegar. Daí falou coisas de sempre: “Eu, como nunca dirigi não sei nenhum caminho, fico no carro só observando a rua e a paisagem até que de repente chego ao destino... Nunca sentei do lado do motorista, sequer coloquei a chave.” Com todo aquele orgulho de pertencer à outra época.
Chegando ao local dispensou minha ajuda dizendo que tendo corrimão pra subir escada não precisa da ajuda de ninguém e lá foi ela, degrau por degrau. Tudo em mãos, requisição, identidade, plano de saúde e bote saúde nisso!!
Na espera ficamos papeando, mas rapidamente ela foi chamada, entrou sozinha e saiu comentando que nunca tinha feito nada parecido e me explicou os procedimentos do eletrocardiograma. Que sonho, aos noventa fazendo seu primeiro eletro e ainda só por check-up.
No retorno para casa, me contou pela centésima vez a história de seu apartamento. Que era exatamente como ela queria e que foi um achado! Primeiro andar (não servia nem térreo nem segundo, tinha que ser primeiro!), virado pra rua (ela acha um tédio olhar pros fundos, gosta mesmo de ver o movimento da cidade), de escada (para que elevador quando se tem saúde e pernas?) e uma varandinha (onde todo santo dia caminha após as refeições e cumprimenta todos os vizinhos de tantos anos que por ali passam). Pra completar: perto de tudo, podendo fazer tudo a pé e sozinha, inserida no centro urbano com vida de cidade de interior. Shopping, banco, mercado, armarinho...
Foram algumas horinhas mais que agradáveis como sempre. Ela como de costume, feliz da vida, observando a rua, admirando as árvores na cidade e comentando o quanto a cidade é bonita, iluminada, arborizada... Podia ter reclamado do calor, do trânsito, podia achar o apartamento antigo ou pequeno (raro encontrar alguém que ache que o que possui no presente corresponde ao mesmo sonho de 40 anos atrás numa sociedade que nos leva sempre a acreditar que tudo está ultrapassado após dois anos de uso). Não sei se isso é um reflexo de anos de vida, afinal a velhice é sábia, pois não convivi com ela na sua juventude e mesmo há alguns anos talvez não tivesse essa percepção crítica. Porém, o fato é que é uma pessoa admirável, leve, de bem com a vida, alegre e que apesar de um pouco teimosa se enquadra perfeitamente no espírito de beijo no padeiro!
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