terça-feira, 17 de agosto de 2010

O Livro de Chumbo



No período em que vivi na Europa, não perdia uma única oportunidade de despachar bagagem para o Brasil, de forma que sempre que aparecia alguém que estava retornando a Salvador com espaço na bagagem, enviava alguma coisa, pois sabia que ao longo de um ano acumularia tantos objetos, roupas, livros e papéis que se não fizesse isso, no fim teria que deixar algo para trás.

Sendo assim, enviei uns 10 kgs de roupas que já não usava por um amigo, depois mais uns 10kgs por outro amigo, uma trouchinha por minha irmã e duas malas inteiras de 32kgs por pessoas que só haviam levado uma e tinham direito de retornar com duas. Minha mãe já estava habituada com as encomendas que tinha que buscar em endereços diversos pela cidade.

Certa feita fui a Dublin comemorar o aniversário de uma grande amiga que estava vivendo por lá e seguiria da Irlanda direto para Liverpool antes de retornar à Valencia. Essas viagens como todas as outras de avião (low cost) tinham um limite de 10kgs de bagagem, o que era bem pouco considerando que eram roupas grossas de inverno. Na ocasião do roteiro supracitado, seria uma semana com o maior aproveitamento possível de bagagem.

Em Dublin, cometi a extravagância de acrescentar à minha resumida mochila uma “Pint” (tulipa de cerveja de 700ml) da Guinness, uma camisa da Guinness, dois CDs duplos e ainda um livro chamado: Exploring the Book of Kells. Na hora de arrumar a bagagem resolvi aproveitar que minha amiga estava indo ao Brasil de férias (com espaço na mala) e pedi que ela trouxesse o livro para aliviar a minha bagagem, já que ainda ia para Liverpool e não sabia o que encontraria de compras pela frente.

Bem, esse bendito livro rende estórias até hoje... Quando minha mãe soube que o livro estava na casa dos pais de minha amiga no bairro do Itaigara, pediu que minha tia fizesse o favor de buscá-lo, já que era bem próximo ao seu trabalho e minha mãe sempre se perde muito na região. Minha tia por sua vez, sem carro, aguardou um dia que estivesse de carona, para poder buscar o livro, imaginando que fosse algo pesado para ser transportado a pé.

Depois de toda essa logística, ao buscar o livro, se deparou com um livrinho de 2cm de espessura, capa mole e dimensões de 0,10x0,20cm aproximadamente. Logo pensou que havia algum engano, entrou em contato com a minha mãe, que entrou em contato comigo até descobrir que de fato era essa mesma a encomenda que tinha enviado para aliviar o peso na bagagem.

Recebi o livro com um bilhete impagável ironizando o grande alívio obtido no peso da bagagem através do envio do mesmo e essa estória é motivo de piada na família até hoje. Recentemente conversando com minha amiga ela confessou que também se questionou porque tinha enviado esse livro por ela pela irrelevância do seu volume, mas na época parecia tão importante para mim que ela me fizesse esse favor que ela preferiu não entrar no mérito, até porque de fato não lhe causava nenhum transtorno.

Primeiro: o que ninguém entende é que cada milímetro é precioso na bagagem de um mochileiro e quando enviei o livro na verdade estava me precavendo reservando um espaço para prováveis souvenires no próximo destino: Liverpool. De fato, esse espaço reservado se tornou mega necessário. Segundo: optei em mandar o livro, pois era algo que não quebrava (teria sido muito inconveniente mandar o copo, por exemplo) e também porque fiquei com medo de estragá-lo ou amassá-lo dentro da mochila abarrotada. Mesmo assim, as explicações chegaram tarde demais e creio que a piada perdurará eternamente na família que adora ter uma desculpa pra fazer gracinhas uns com os outros.

6 comentários:

  1. Pilha,
    Realmente, em termos de espaço, foi fundamental o envio do livro por sua amiga. A dúvida foi se você queria trazer o Big Ben na bagagem ou, dando uma passadinha por Paris, trazer a torre Eifel.
    Beijos suadosos
    Uncle Owl

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  2. Na verdade, minha vontade era de trazer todo o acervo do Museu dos Beatles.... Beijinhosss!!! =)

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  3. Pilha
    Jamais poderia deixar em branco esse campo de comentários, já que sou parte integrante do conto. Uma coadjuvante quase protagonista.Não sei se lhe parabenizo pelo conto ou pela façanha. Acho que pelos dois. Um material desse nas mãos de Luis Fernando Veríssimo ou Arnaldo Jabor seria um prato cheio! Quando você me falou do conto e até declinou o título: O livro de chumbo, eu jamais poderia imaginar que estivesse se referindo ao folheto de pluma. Mas logo a partir das primeiras frases senti do que se tratava e comecei a rir e li o conto todo rindo sem parar, revivendo a história. Aí eu descobri que poderia lançar um desafio: quem depois de ler esse conto, resistiria a dar um beijo no padeiro, um bom dia ao vizinho ou mandar flores para o delegado?
    Beijos de Aunt Ninja

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  4. Pilha,
    Fico realmente feliz que sua Aunt Ninja tenha conseguido descobrir do que se tratava o Post. Realmente a velocidade não é o forte dela pois, pelo título eu já imaginava do que se tratava. E veja que não fui protagonista do caso.
    Quantos aos seus dotes literários, me faltam elogios, alias, como sói acontecer com um Uncle Owl.
    Quanto ao desafio fico apenas com um bom dia ao vizinho até por que, não pegaria bem para mim, dar um beijo no padeiro.
    Beijos literários,
    Uncle Owl

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  5. Pilha,

    A sua tia mais velha retorna tentando, pela segunda vez postar um comentário, e parabenizá-la pelo belo texto. Por medida de segurança, estou copiando e postando pelo e-mail da "family".
    Concordo com o post da Uncle Ninja e discordo do Ucle Owl quando ele tece comentários à velocidade da Ninja. Ele e vocês tiveram e têm pouca convivência comigo e por isto não conhecem o meu ritmo. Mas, aqui em casa, estou cansada de ouvir o meu filho se referir a mim, com a maior naturalidade, afirmando:"Você é lenta!" quando quer me desestimular de adquirir alguma novidade tecnólgica (ipod, GPS, etc...).
    Beijo
    The plus old uncle

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  6. Beijos no padeiro são as gargalhadas que estou dando com esses comentários... Se tenho um mínimo de talento para as palavras escritas certamente provém de um fator genético, haja vista a espiritualidade dos comentários de cada um!! Eu como sobrinha coruja defendo a velocidade da Aunt Ninja, afinal só estou lendo o comentário após quase uma semana de postado... Amei o “Folheto de Pluma”, quase mudo o título do texto, risos!! Quanto à Plus Old Aunt – tenho pânico de touch screen, tecnologia e me pelo de medo quando alguém manda eu mexer em um ipod ou iphone, logo, sinta-se em igualdade!! Mais uma vez, obrigada pelo incentivo, espero entretê-los com novos posts em breve... Beijinhosss!!!

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