Como diz o provérbio: Prevenir é melhor do que remediar. É
justamente nessa linha que atuam os alimentos funcionais: uma classe de
alimentos que além de fornecer a nutrição básica, promove a saúde, atuando na
prevenção de doenças.
Faz parte da classificação dos alimentos funcionais, as bactérias
probióticas. Isso mesmo, bactérias! A sociedade moderna demoniza esses seres,
criando todo tipo de produtos antissépticos como enxaguantes bucais e sabonetes
que prometem eliminá-los de vez. O que muita gente não sabe é que o corpo
necessita de bactérias e outros micro-organismos, como protozoários, fungos
anaeróbios, leveduras e bacteriófagos na manutenção de uma microbiota endógena saudável.
Micro-organismos como o Staphylococcus, o Streptococcus o
Enterococcus e o Clostridium, vivem em harmonia com seres humanos
hígidos, desempenhando inúmeras funções para manter a homeostase em diversas partes
do corpo como a pele, a cavidade oral, o estômago e o intestino.
Antes do nascimento, o intestino humano é estéril. Os
primeiros micro-organismos endógenos são transferidos para os bebês através do
canal do parto, sendo outros micro-organismos introduzidos juntamente com os primeiros
alimentos. A colonização
definitiva é obtida aproximadamente aos dois anos de idade, acompanhando o ser
humano pelo resto de sua vida. Por este motivo, a microbiota intestinal
materna exerce função determinante na colonização efetiva do trato gastrintestinal
do recém-nascido, que poderá sofrer severas alterações quando privado da
lactação humana. Estudos
comprovam que lactentes alimentados com leite materno possuem flora fecal
diferente dos que são alimentados com fórmulas industrializadas. O primeiro
grupo tendo predominância de bifidobactérias e lactobacillus e o segundo
apresenta mais coliformes e bacteroides.
A colonização destes micro-organismos no intestino é fundamental no
fortalecimento do sistema imune e consequente proteção do hospedeiro. Além
disso, não há como subestimar o fato de que mais de 75% do peso seco de
produtos fecais serem compostos por células bacterianas. Mudanças fisiológicas,
que aumentem ou diminuam o peristaltismo, a quantidade de ácido clorídrico
secretado no estômago ou até o muco secretado ao longo do trato, poderão
alterar as comunidades microbianas residentes. Dietas parcialmente ou
completamente industrializadas, pobres em nutrientes podem atuar como cofatores
para a ocorrência de tais alterações fisiológicas. Entretanto, dos fatores
exógenos, os que parecem mais perniciosos são os agentes antimicrobianos,
capazes de causar mudanças rápidas e drásticas na microbiota normal.
Alguns fatores que exercem grande influência no estabelecimento do
equilíbrio microbiano são: idade; dieta; tratamentos farmacológicos;
radioterapia; utilização de probióticos e prebióticos; estresse; microbiota
materna; via do parto; lactação; interações microbianas; interações
micro-organismo-hospedeiro; e a presença de certos genes e receptores.
E o que são probióticos e prebióticos? Probióticos são
justamente aqueles micro-organismos que quando administrados em doses adequadas
têm o poder de conferir saúde e benefícios ao seu hospedeiro. Os prebióticos,
por sua vez, são componentes alimentares não digeríveis que irão contribuir
para o desenvolvimento de uma microbiota saudável, estimulando o crescimento de
determinas espécies bacterianas. Alimentos que contém probióticos e prebioticos
são denominados de simbióticos.
As bactéricas probióticas caracterizam-se, na maior parte das vezes,
por inúmeras espécies anaeróbias estritas, presentes no intestino. A ação delas
ocorre através de certos alimentos, com parcelas não digeríveis, que chegando
ao intestino, irão selecionar determinadas bactérias da microbiota endógena. Antes
de poderem colonizar o intestino, entretanto, terão de sobreviver à alta acidez
estomacal. Uma microbiota saudável, ou seja, com quantidade equilibrada de
bifidobactérias, poderá impedir que outros micro-organismos, potencialmente
patogênicos, colonizem o meio. Por outro lado, quando em desequilíbrio, a
microbiota poderá funcionar como agente facilitador à proliferação de
patógenos, resultando em infecções bacterianas e/ou fúngicas.
Os alimentos fermentados, ricos em bifidobactérias, são relatados em
escritos que datam antes de Cristo, como o exemplo do historiador Plínio que
recomendava produtos lácteos fermentados como tratamento de gastroenterite e
também no antigo testamento, onde a longevidade de Abraão foi atribuída à
ingestão de leite azedo. Acredita-se que as técnicas de fermentação
ácido-lática de alimentos já eram praticadas pelos hominídeos a cerca 1,5
milhões de anos, A.C. e incorporadas à prática humana cerca de 10 mil anos
atrás, como forma segura de preservação de alimentos. Após a Revolução
Industrial, entretanto, a prática foi reduzida drasticamente nos países mais
desenvolvidos, podendo este fato estar associado ao aumento dos casos de
doenças gastrointestinais e imunológicas a partir do século XX. Somente na
década de 80 do século passado que se retomou a ideia de que determinadas cepas
poderiam estar associadas a efeitos benéficos na saúde humana.
Os primeiros estudos científicos sobre probióticos datam do início do
século passado com o trabalho do russo Metchnikoff, no Instituto Pasteur. Esse pesquisador,
pioneiro de estudos sobre o sistema imune, postulou que os leites fermentados
produziam seus efeitos benéficos no hospedeiro porque antagonizavam bactérias
perniciosas no intestino. Sabe-se hoje que a microbiota intestinal tem as
seguintes funções: resistência à colonização por outros micro-organismos, a
imuno-modulação e a contribuição nutricional devido às interações locais e
metabólitos produzidos.
Alguns alimentos exercem papel fundamental no fornecimento de
nutrientes para a microbióta endógena, como: fibras, oligossacarídeos,
açúcares, alguns lipídeos e proteínas. Além disso, o próprio cólon fornece
nutrientes essenciais como mucinas, tecidos epiteliais, enterócitos, ácidos
biliares e colesterol. Juntos formam um meio saudável, capaz de sintetizar
vitaminas do complexo B e vitamina K, que serão utilizadas pelo hospedeiro.
Quando presentes nos alimentos, de forma natural ou adicionada, os
probióticos são capazes de exercer benefícios aos seus hospedeiros, melhorando
o balanço microbiano endógeno. Estudos apontam alguns efeitos que podem ser
atribuídos às culturas probióticas, como: controle das infecções intestinais;
estímulo da motilidade intestinal, alívio da constipação intestinal; melhora na
absorção de alguns nutrientes; melhora dos sintomas associados à intolerância à
lactose; diminuição nos níveis de colesterol; efeitos anticarcinogênicos; e
estímulo do sistema imunológico.
Existem várias espécies de micro-organismos endógenos, efetivos em
casos diferentes, tais como: diarreia induzida por antibióticos, intolerância a
lactose, síndrome do intestino irritável e outros. A Organização Mundial de
Gastroenterologia publicou um guia que contém uma lista dessas bactérias,
separadas por gênero, espécie e cepa, explicitando os efeitos comprovados de
cada uma delas. O guia, disponível no site: www.worldgastroenterology.org, aponta algumas espécies
mais comuns como: Lactobacillus, Bifidobacteriumare, o fungo Saccharomyces
cerevisiae alguns tipo de E. coli e Bacillus. Assim sendo, o termo
deve ser utilizado para denominar cepas específicas, levando em consideração
que a fermentação fornece sabores característicos aos alimentos, além de
reduzir o pH, prevenindo a contaminação por patógenos em potencial.
Uma tendência da sociedade moderna tem sido justamente o retorno aos
costumes antigos. Como foi apontado no texto, o uso e a importância dos probióticos
na manutenção da saúde humana não correspondem nenhuma novidade. Entretanto,
com os adventos das tecnologias e processos industriais o homem afastou-se
deveras do seu habitat natural, o que acabou acarretando na disseminação de
inúmeras doenças. Agora, retorna a atenção às épocas passadas, tentando
descobrir porque em civilizações antigas não havia índices tão altos de
epidemias modernas, como as doenças crônicas não transmissíveis e descobre que
as mudanças nos padrões alimentares estão intimamente relacionadas a este
fenômeno. Ironicamente, os adventos farmacológicos não tem parecido eficazes no
tratamento de tais quadros patológicos, uma vez que podem causar severos
efeitos adversos, a exemplo do impacto dos antibióticos na microbiota endógena.
Sendo assim, não resta outra solução a não ser o retorno às tradições, como
preconizou o pai da medicina, Hipócrates: “Que o seu remédio seja o seu
alimento, e o seu alimento o seu remédio”.
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