terça-feira, 1 de dezembro de 2009

Consumismo Desenfreado

A resposta do autor do texto "Só sei que nada sei" acabou gerando outro texto, segue abaixo.

A falta de equilíbrio do capitalismo vai muito além de ações pontuais de indivíduos, que a meu ver são vítimas de um sistema que vai muito além de seus conhecimentos. O problema do capitalismo esta entranhado no cerne de sua própria concepção, onde para que funcione é necessária uma sociedade “hiperconsumista”. O texto abaixo é bastante elucidativo nesse sentido.

“Nas Origens liberais do ódio pelo liberalismo: o ponto cego da direita

Tentemos primeiramente captar o raciocínio antiliberal em sua pureza de argumentação. Ele parte da constatação de que o mundo das empresas, aquele em que se fabricam e se vendem permanentemente novos e incontáveis objetos, pressupõem que os indivíduos a quem eles de destinam tornem-se prioritariamente consumidores. Isto, por assim dizer, é uma tautologia. Como particularmente as análises de Gilles Lipovetsky, desde o final dos anos 1960, nós indivíduos entramos em uma “sociedade de hiperconsumo” onde potencialmente tudo tende a se tornar mercadoria. Nós não só consumimos produtos industriais, telefones, ou automóveis em maior numero do que nunca, mas a cultura, a política e até a religião, sob muitos aspectos, integraram-se pouco a pouco à esfera do consumismo, e sob formas diversas, o sagrado, o espetáculo, a escola, a ética, o debate público, a questão de sociedade... Ao mesmo tempo em que se desenvolve a atitude dos consumidores esclarecidos, que tentam fazer, tanto quanto possível, escolhas racionais em um mercado cada vez mais universal, o ser humano se vê fragilizado pelo progressivo desaparecimento das esferas da cultura e da inteligência que, ainda há pouco situadas fora do mercado, permitiam-lhe estruturar a existência em torno de referencias espirituais relativamente estáveis.

Para dizer mais brutalmente as coisas: o modelo do consumismo puro é o da addiction, ou vício. Como o drogado que deve continuamente aumentar as doses e encurtar os períodos entre as aplicações, o consumidor ideal seria aquele que compra sempre mais e cada vez mais freqüentemente. Mas há um ponto crucial: para se ter vontade de consumir, é preciso estar em estado de insatisfação, situar-se dentro de uma lógica do desejo que prioritariamente se caracteriza pela carência. E para que o individuo mergulhe nesse estado, é preciso, tanto quanto possível, “livrá-lo” dos valores espirituais e morais – daquilo que Freud chamava “sublimação” – que lhe permitem ter um mundo interior rico e estável o bastante para bastar-se a si mesmo e, data a própria riqueza e estabilidade, não sofrer de permanente necessidade de compra. Se a minha bisavó ainda fosse viva, acharia, sem duvida alguma, os shoppings centers, repletos e transbordantes de produtos tão atraentes quanto inúteis, uma verdadeira monstruosidade, um tempo erguido à besteira e a obscenidade do dinheiro. Pois ela vivia num mundo de valores em que nada disso tinha lugar, em que não era necessário consumir o tempo todo para ser feliz e dar um sentido à vida. Não era “fazendo compras” que o individuo via como se realizar, mas sim no cumprimento de certos deveres com relação a si mesmo e aos outros, que tinham muito maior importância do que essa lógica do desejo originado no vicio. Se nossos filhos tivessem a mesma mentalidade da minha bisavó, não sentiriam a incessante premência de comprar novos objetos: certamente já não teriam possuído, em media nos meios burgueses, cinco celulares e dois computadores antes de completarem 15 anos de idade...

Para essa razão é necessário, vital para as empresas, instaurar, a todo custo nas cabeças uma forma de zapear, sem a qual não há razão para que os indivíduos comecem a consumir como convém para que o mundo “gire”. Esse resultado, que as campanhas publicitárias explicitamente assumem como objetivo, engendra o que certos críticos do “mundo capitalista” já nos anos 1960 denominavam “dessublimação repressiva”: entenda-se, por trás do jargão, a idéia de que a desestruturação dos valores, engendrada pelos comerciais, entrega o indivíduo – a começar pelas crianças, que nesse sentido formam a clientela ideal – a uma lógica de relativa servidão, que é a do consumo rápido. A “dessublimação repressiva” aparece então como acompanhante indispensável do hiperconsumo, sua condição necessária, e para se opor a isso, para constituir um contrapeso, por vezes faz falta também desenvolver, à sombra do mercado, valores que por contraste parecem não mercantis, ou seja, de certa maneira, “antiliberais”.

É onde se localiza uma origem significativa da repulsa que tão amplamente agita uma sociedade como a francesa, já de outras formas programada, dada sua tradição republicana, a recusar a ideia de que tudo pode ser reduzido ao mercado. E isso, acho eu, um homem de direita e consciente do que faz deveria ser o primeiro a compreender. Pois esse fenômeno pouco discutível torna o capitalismo contraditório em um ponto, não mais econômico como pensou Marx, mas fundamentalmente moral e cultural.”


Texto retirado do livro “Família, amo vocês” de Luc Ferry



Um comentário:

  1. Por isso que insisto tanto na busca pelo equilíbrio individual... Somente através dele se é capaz de discernir valores realmente significativos. O equilíbrio do corpo e da mente, gera clareza de idéias, crítica ao que está externo, uma vez que o mundo anda totalmente desequilibrado (nenhum extremo é solução, nem capitalismo nem socialismo). Mas acredito que o capitalismo ainda dá a chance às pessoas de optarem pelo que querem ser, pelo que comem, pelo que lêem, pela liberdade de expressão, liberdade de ir e vir... Então, mesmo que em minorias (que conseguem ultrapassar a massa ignorante) o capitalismo dá a possibilidade ao indivíduo de transgredir as condutas de vida incutidas pelo sistema. Já o socialismo tolhe o que o homem tem de mais precioso: seu livre arbítrio.

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