terça-feira, 5 de janeiro de 2010

Natal Valenciano


Mais um ano se inicia e vou abrir o blog em 2010 com um toque saudosista, recordando um Natal peculiar, único e memorável de minha vida.




Dezembro de 2007: estava eu, vivendo há quatro meses na Espanha, compartilhando uma rotina, um lar e um quarto com pessoas que conhecia há cerca de seis meses. Chegada à hora do Natal, dois dos “Hermanos Valencianos” receberam visitas de seus irmãos de sangue e estes se agregaram ao Natal da grande família de baianos residentes na Calle José Capuz no ano letivo de 2007/2008.



Seguindo a tradição preparamos uma ceia e fizemos um amigo secreto. Decidimos que o amigo secreto seria o de troca de presentes, dado ao fato de não conhecermos os gostos dos participantes especiais, recém chegados do Brasil.



Alguns dias antes, um “maior abandonado” da faculdade, italiano, enviou um e-mail para o grupo dos intercambistas (conhecidos como Erasmus) dizendo que não tinha conseguido retornar para a Itália e querendo saber se alguém poderia adotá-lo no Natal. (A Europa sendo muito pequena e com tantas facilidades de viagens permite que quase a totalidade dos Erasmus, em sua maioria européia, retorne às suas casas para as festas de fim de ano). Ao ler o e-mail me compadeci do rapaz e convidei-o para a nossa ceia, expliquei sobre o amigo secreto de trocar os presentes e pedi que levasse algo para que pudesse participar da brincadeira.



Para preparar a ceia, dividimo-nos em equipes. Como constituíamos dois lares na mesma rua era sensato que a gastronomia fosse repartida nas duas cozinhas, afinal seria muita comida pra pouca mão de obra. O cardápio de praxe: macarrão. Responsabilizei-me pelos molhos de camarão e quatro queijos, Paulinha em fazer a sobremesa e a Sangria (ou “Tinto de Verano”) e o “povo” da outra casa ficou de levar o molho à bolonhesa (que por motivos óbvios me recusei a fazer).



Era lei na nossa econômica casa reciclar sempre! Tudo virava alguma coisa... Potes de 8 litros de água mineral foram recortados e viraram lixeiras. Caixas de achocolatados (bastante herméticas) viravam porta biscoitos e torradas. Caixas de sorvetes viravam vasilhas para comidas e em específico: porta sal (tampa rosa de sorvete de morango) e porta açúcar (tampa marrom do sorvete de chocolate). Vale ressaltar que as marcas campeãs de todos os produtos comprados eram as das fabricações próprias dos supermercados, bons e baratos! Até a famosa Coca Cola foi substituída por Cola Dia e incrivelmente bem aceita por todos os especialistas em refrigerantes.



Para preparar a sangria, obviamente foram utilizados dois garrafões de 8 litros de água, onde foram misturados sucos, vinho barato, frutas e por fim, para dar o toque final: açúcar. Após colocar generosas colheradas do veneno, Paulinha percebeu que havia se atrapalhado e posto Sal ao invés de açúcar. Tínhamos assim 16 litros de sangria absolutamente salobra e intragável.



Os gourmets da casa vizinha chegaram com o molho. Algum mestre “cook” resolveu limpar a carne com limão (como se fosse peixe) e o molho ficou azedo. Para quebrar o gosto do limão algum outro especialista da cozinha sugeriu acrescentar açúcar. Erraram na dose e o resultado final foi um molho à bolonhesa doce.



Com a chegada do gringo (olha a responsabilidade de oferecer massa a um Italiano) logo percebemos o porquê do cara estar órfão no Natal. Ele não era pouco chato e ainda por cima sempre que abria a boca falava alguma asneira ou grosseria. A presença dele foi um incômodo no ambiente desde o começo e resolvemos fazer uma pegadinha. Oferecemos a sangria salgada a ele enquanto todos nós bebíamos vinho normal e enquanto ele fazia caretas, dissemos que era uma bebida típica no Brasil e que seria uma grande desfeita se ele não tomasse. O coitado dava goladas como quem toma um remédio, até uma hora que pediu desculpas e disse que não tinha condições de continuar tomando aquilo.


Ao servirmos a comida, a primeira coisa que ele perguntou foi se os molhos brancos levavam creme de leite, pois era alérgico. Ao dizermos que sim, ele concluiu que o único que poderia comer seria o vermelho (doce) e foi com tudo. Todo mundo estava ciente dos erros nos cálculos gastronômicos de forma que ele foi o único a se aventurar na dita iguaria. Ao começar a comer, tentou ser educado, mas no meio do prato disse que não tinha como prosseguir, pois estava muito ruim. Fizemos um drama, dizendo que era uma desfeita, que ele já tinha reclamado da sangria e agora estava reclamando do molho, que tínhamos recebido ele na maior boa vontade e era assim que ele retribuía, criticando tudo que oferecíamos a ele.



Passado o mal estar alimentício chegou a hora do amigo secreto. Cada um com seu presente (ninguém sabia quem tinha trazido o que) até que surgiu um galo de cerâmica que servia como apito que imediatamente foi apelidado de “pinto” e era necessário que se colocasse a “boca no pinto” para soprar o apito. O italiano explicou que se tratava de um artesanato típico da cidade dele na Itália, mas o presente não fez o menor sucesso, ninguém queria, rodou de mão em mão seguido da galhofa de que quem recebia tinha que “botar a boca no pinto”. Toda a piada em português, o gringo não entendia nada e se sentiu super ofendido ao perceber que o presente dele era rejeitado e motivo de piada.



Ao fim, em meio a desentendimentos, climas estranhos, pessoas que se sentiram muito incomodadas com a presença do sujeito, o resultado da noite foi que a participação do gringo rendeu em boas risadas e a lição de que se alguém está rejeitado e você não conhece é por algum motivo, melhor deixar quieto e não querer dar uma de bom samaritano, principalmente envolvendo outras pessoas.





P.S.: Esse foi apenas o relato de um dos três natais que nós, baianos mais que festeiros preparamos. Um foi antecipado, somente para os membros da minha casa (já que dois deles não estariam na cidade no dia 24) outro na noite do dia 24 e outro que deveria ser um almoço no dia 25, mas que durou o dia inteiro e a comida só foi servida à noite.



O grande vencedor do pinto e sua cara de felicidade!

2 comentários:

  1. Muito interessante o relato no "natal valenciano", mas ele nem se compara ao mico de querer passar o reveillon na Champs Elysées em companhia de franceses impacientes e japoneses querendo fotografar até o halo que o frio faz pessoas expelir pelas narinas (rsrsrs)... um dia eu contarei (se conseguir reunir coragem). Mas gostei mesmo foi do cachecol de crochet que as meninas aparecem usando nas fotos. Ele ainda existe? Gostaria de conhecê-lo.

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  2. Quem é você com esse pseudônimo doido?? O presente deveria ser unissex, mas rolou o cachecol que foi escolhido justamente pelo Italiano (ficou um gato com ele na foto, hein?), mas logo foi roubado por Roberta e não faço idéia do presente que sobrou pra ele...
    Quanto ao seu Natal, depois que se identificar me conta os detalhes...

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