sábado, 9 de abril de 2011

Tempo de Despertar



Esta semana assisti ao filme Tempo de Despertar que trouxe a reflexão sobre a postura do profissional de saúde em relação ao seu paciente. Já no texto de Valdemar Augusto Angerami – Camon chamado: Breve Reflexão Sobre a Postura Profissional da Saúde Diante da Doença e do Doente li sobre diferentes nomenclaturas adotadas para identificar estas posturas. Vou falar um pouco delas, utilizando o filme como referência.

O filme supracitado permite que sejam identificadas algumas características acerca da postura do atendimento adotado pelos profissionais da área médica nele atuantes. O seu personagem principal trata-se do Dr. Malcolm Sayer que chega ao hospital psiquiátrico com vasta experiência como pesquisador e novato na área de atendimento humano. Logo de início, tem a sua capacidade colocada em cheque pela inexperiência clínica e realmente demonstra-se um pouco “desajeitado” em seus primeiros dias de trabalho. O fato de não seguir um padrão de atendimento lhe permite ter, entretanto, uma postura diferenciada e cheia de personalidade.

Na área de saúde, criou-se um estigma da impessoalidade para com o paciente que levada ao extremo é denominada calosidade profissional (frieza absoluta, foco total no sintoma) e de forma mais amena considerada como um distanciamento crítico (mesmo assim não permite criar vínculo com o paciente e o deixa com a sensação de “órfão” em seu tratamento). Existem ainda duas outras posturas que denotam maior aproximação entre o profissional e o paciente, são elas: empatia genuína (simbiose levada ao extremo) e o profissionalismo afetivo (constitui um envolvimento menor, porém suficiente para que o paciente não se sinta desdenhado).

Observando-se o comportamento do Dr. Sayer, percebe-se uma postura que foge aos padrões que estamos acostumados a ver em hospitais e outros centros de saúde. O seu perfil de pesquisador o faz logo de início buscar o entendimento profundo do quadro dos pacientes que vêm a tratar (portadores de uma síndrome que os deixa catatônicos). Antes dele, estes doentes eram manipulados como plantas num jardim, onde ficavam estáticos recebendo suas “rações” diárias essenciais à mera sobrevivência. A postura adotada pelos precursores do Dr. Sayer demonstra um claro exemplo de calosidade profissional onde havia sido perdida a noção total de que o que se tratava como plantas eram na verdade seres humanos.

A psicologia talvez explique a atitude fria (exemplificada acima) comum a diversos profissionais da área de saúde como um mecanismo de defesa para que os mesmos não se deixem tocar, e conseqüentemente sofrer, com o dia-a-dia de seus pacientes. Ocorre, entretanto, que são profissionais que decidiram deliberadamente lidar com a saúde humana que é como conceito, constituída de corpo e alma, repletos de sentimentos (físicos e psicológicos). Por este motivo, é incompreensível (para não dizer inaceitável) a vertente que vem sido tomada em relação à frieza de determinados profissionais para com os seus pacientes.

Retornando ao filme, podemos notar a trajetória evolutiva do Dr. Sayer em relação à sua mudança de atitude em relação aos pacientes, assim como na forma como isso acabou contaminando toda a sua equipe. No início, o novo médico trazia consigo características do distanciamento crítico, que o possibilitava perceber reações em seus pacientes, algumas referentes a reflexos motores e outras a emoções. Este distanciamento o permitia elaborar estratégias de observação que o levava a descobrimentos de novas reações como quando pintou o chão, jogou bolas ou colocou músicas que estimulava os convalescentes. Sua equipe, por conseguinte passou a adotar um tratamento mais criterioso, abandonando a calosidade profissional e adotando também o distanciamento crítico chegando até ao profissionalismo afetivo. Agora prestavam maior atenção a detalhes acerca da vida inerente àqueles humanos ora tratados como plantas e cuidavam deles com carinho.

O tratamento do Dr. Sayer evoluiu para uma relação mais simbiótica quando conheceu um paciente chamado Leonard que estava com sua mãe sempre por perto, senhora esta que pôde lhe fornecer informações mais detalhadas acerca da evolução da doença de seu filho. A sua alma de pesquisador e comprometimento com a causa que já havia abraçado o fez aproveitar esta oportunidade e o mesmo mergulhou de cabeça em um estudo minucioso do caso do paciente Leonard, acreditando ser o caminho para curar a misteriosa doença. Não contava, entretanto, em ser envolvido pela relação pessoal com o paciente, numa atitude de empatia genuína. Aos poucos passa a praticamente residir no hospital, sem vida própria, em vigília constante até o ponto de mostrar-se desesperado quando começou a ver falhas no tratamento até então impressionantemente bem sucedido. Até que ponto estaria o médico envolvido com a cura e sua pesquisa científica ou com o paciente em si?

A atitude mencionada acima já foi muito comum nos tempos dos médicos de família que acompanhavam seus pacientes em casa, participando de suas rotinas domésticas a ponto de se tornarem como membros da família, tornando dificílima a separação entre a relação profissional e afetiva. O meio termo entre este tipo de postura e a frieza explicitada anteriormente é justamente o Profissionalismo Afetivo, postura que pode ser percebida no tratamento do Dr. Malcom para com os demais pacientes, portadores da mesma doença que Leonard. Nestes casos, o mesmo manteve uma relação humana, afetuosa e próxima sem desestabilizar-se emocionalmente, o que inclusive lhe permitiu maior lucidez do que nos momentos em que se viu tomado pela relação quase que passional que estabeleceu com Leonard.

As distintas atitudes do mesmo médico ao longo do filme é um claro sinal de um tratamento humano, onde não é possível mecanizar sentimentos e atitudes. Certamente o mesmo não planejou a relação que criou com o paciente Leonard que ocorreu de forma espontânea. É perigoso julgar sua atitude como certa ou errada, pois estamos falando de seres humanos, repletos de sentimentos (tanto os profissionais quanto os pacientes) que estarão sempre correndo o risco de se envolverem emocionalmente. O mais importante desta análise é chamar atenção de que o tratamento na área de saúde estará sempre envolto de sentimentos e que a abordagem afetiva (ou não), por parte dos profissionais, sempre afetarão nos resultados.

Há ainda outro tópico importante a ser abordado em relação ao filme referente à qualidade de vida dos personagens. Voltando a falar do Dr. Sayer, nota-se um comportamento nele de total envolvimento com o trabalho e desligamento com a vida pessoal e principalmente afetiva. Uma das enfermeiras de sua equipe demonstra desde o início um carinho especial e uma vontade de aproximar-se dele. Entretanto, o mesmo está tão envolto com suas atividades profissionais que nem percebe. Ao fim do filme, desperta para esta nova possibilidade de entretenimento abrindo espaço para uma aproximação pessoal maior com a dita enfermeira. Como julgar a qualidade de vida deste profissional? Trata-se de um conceito subjetivo, logo, o que pode parecer essencial na vida de uns para outros é de tão pouca importância que pode ser até esquecido quando existem “coisas mais interessantes” em mente. Como julgar o que é mais interessante? Para uns pode ser uma partida de futebol, para outros namorar, ler, praticar um esporte, viajar ou até comer.

Em um contexto geral, temos a impressão de que a qualidade de vida alcançada ao final do filme foi melhor do que a existente no início. Ao fim da estória os pacientes retornaram ao mesmo estado catatônico do início, todavia agora passaram a receber um tratamento mais humano, sendo mais bem cuidados pela equipe médica. Esta por sua vez, teve a oportunidade de conhecer o outro lado daquelas pseudo-estátuas e a partir daí a rotina tediosa de cuidar de plantas-humanas passou a ter curiosidades, lembranças e buscas de novos sinais, logo, a equipe de médicos e enfermeiros do hospital passou a trabalhar com mais motivação e alegria. O Dr. Sayer, após experimentar uma fase de total absorção com o trabalho se permite extravasar um pouco e vivenciar algo novo, baseado na relação humana que ele ironicamente acreditava não ter nenhum potencial para.

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