Outro dia estava
conversando com um amigo teólogo sobre quando sentimos que estamos conectadas
com Deus. Tem gente que frequenta missa, os surfistas dizem que é quando estão
no mar, os alpinistas dizem que é quando escalam montanhas, há quem diga que é
quando medita e eu, nem surfo, nem escalo montanhas, nem freqüento missas e
raramente sento em posição de lótus para meditar.
Cozinhar
para mim faz parte de um ritual zen, onde me desconecto de tudo e foco
inteiramente no que estou fazendo. É um processo que pode levar horas e começa
quando preparo um cardápio, depois vou à feira e escolho cuidadosamente cada
ingrediente que vou utilizar. Antes de ir à cozinha, gosto sempre de tomar um
banho para renovar e refrescar minhas energias. Costumo colocar uma música
suave, que pode ser erudita, jazz, rock, MPB, pop e/ou o que estiver de acordo
com o meu estado de espírito do dia.
A partir daí
é como se estivesse dançando, cada ato é uma coreografia. A música que me guia são meus instintos criativos, que surgem naturalmente. Gosto de cozinhar
principalmente vegetais. Observar uma variedade de cores, formas e texturas,
limpá-las cuidadosamente, depois cortá-las de acordo com a forma com que
pretendo cozinhá-las. É uma arte: combinar cores, sabores, texturas, temperos e
principalmente utilizar as mãos, dando e recebendo um tanto de energia numa
troca sublime com a natureza.
Gosto de
cozinha limpa e organizada. Sempre corto tudo que vou usar e separo em cumbucas,
limpando a minha tábua de corte, faca e bancada, entre cada ingrediente. Minhas
panelas são todas em inox, brilhantes e de um mesmo conjunto, formando uma
estética agradável em cima das minhas seis bocas de fogão. Quando começo a
etapa do cozimento, procuro ter todos os temperos que pretendo usar à mão. O
fogão fica com a sua chama mais ou menos na altura do “hara”, que segundo a
tradição do extremo oriente é o centro energético do corpo. Sentir o calor do fogo no
ventre e perceber a transformação dos alimentos é mágico.
Minha
primeira formação é de arquiteta e minha mãe costuma dizer que faço arquitetura
de comida. Realmente, adoro arrumar um prato, selecionando as cores e
harmonizando-o. Esta arte inclui a escolha da louça, do talher (ou hashi), toalha
ou jogos americanos, flores, etc. Bernadette Kikuchi, uma das melhores
cozinheiras que já conheci, e que tive o privilégio de ser aluna, chama sua
culinária de Arte Fundamental da Vida. Até hoje não consegui encontrar um nome
que descreva melhor esse ato de amor e arte.
Tudo que
descrevi é o somatório de um momento onde todos os sentidos se envolvem. O tato
no manuseio dos alimentos, a visão na apreciação das formas e cores, o olfato
quando sai aquela fumacinha cheirosa pelas frestas entre a tampa e a panela, a
audição prestando atenção ao chiado da panela de pressão, toque da faca na
tábua de corte e por fim, o paladar, na hora que mastigamos e ingerimos o
resultado da mistura de tantas energias. Somos o que comemos, uma alimentação
consciente resulta na nutrição saudável do corpo e da alma.
Adoro comer
a minha própria comida, mas também aprecio demais a culinária de outras
pessoas. Através dela sentimos os mais diversos sabores e absorvemos uma carga
energética variada. Diversificar o paladar resulta numa mente criativa e
apurada. Por isso, sou bastante exigente na escolha do que como, bem como o
ambiente onde faço minhas refeições, se possível fazendo uma visita à cozinha
para sentir como é o astral de quem prepara a comida. Cozinhar, alimentar os outros e me alimentar, para mim, são formas diárias de beijar o padeiro!
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