Uma Visão Abrangente da Atual Crise Civilizatória
Texto de Michio Kushi
Imagem retirada do site do Kushi Institute
"Precisamos
todos compreender que o câncer não diz respeito apenas aos que sofrem da doença,
aos seus familiares ou aos profissionais de saúde. Na verdade, o câncer é o
resultado dramático dos falsos valores - e em ultima estância, das tendências autodestrutivas
- sobre os quais erguemos a moderna civilização. Num sentido bastante real, manifestemos
ou não os sintomas, somos todos cancerosos; e continuaremos a sê-lo, a menos que
um novo estilo de vida e pensar - mais simples, harmônico e pacifico - venha
suceder o atual.
O
câncer, nunca é demais insistir, não é uma mal que atinge particularmente
certas células ou certos órgãos. Ele é sim, um mecanismo de autoproteção
acionado por determinados organismos que, como um todo integrado, se encontram
muito doentes. Se o câncer for artificialmente removido sem que se mudem os
hábitos que provocaram a doença, o equilíbrio alcançado a duras penas é
abruptamente interrompido e a totalidade do organismo pode entrar em colapso.
'A
medicina pode ser considerada uma ciência política e a ciência política uma
medicina em alta escala'. Assim pensava, há mais de um século, o famoso
patologista alemão Rudolf Virchow. Hoje a medicina é dominada pelo conceito de soberania
celular, ou seja, pela noção de que aquilo que acontece na célula ou em seu
núcleo não tem relação alguma com a totalidade do organismo ou com o ambiente
que o cerca. Durante anos a ciência moderna nos tem convencido de que a doença
é o resultado ou de uma invasão externa ou de uma aberração num gene isolado, hormônio
ou outro componente celular sobre os quais não temos controle voluntário ou
responsabilidade moral. Os cientistas nos asseguram de que se um fator específico
causador da epidemia ou crescimento anormal de células for identificado, uma
solução bioquímica será então encontrada para impedir os seus efeitos nocivos.
Esse
conceito de soberania celular está tão fortemente incrustado no espírito da
medicina moderna que influencia não só o conteúdo, mas também a forma dos
artigos científicos. Metáforas militares são hoje rotineiramente usadas para
descrever processos fisiológicos e prescrever tratamentos. Em 'Cercando o
Câncer', artigo publicado no The New York Times, podemos ler:
'Os
cientistas querem entender como o inimigo,
isto é, a célula cancerosa, disfarçada de célula normal, passando pelas sentinelas do sistema imunológico
sem ser detectada...'.
'Anticorpos
que circulam pela corrente sanguínea estão em constante patrulhamento...'.
'O
corpo é alertado e envia células exterminadoras
especiais para, com sua artilharia química,
dar cabo da ameaça...'.
'Espera-se
que esses anticorpos atuem como bombas
inteligentes em miniatura, liberando sua carga letal no tecido doente e somente nele.'
Cada
vez mais a medicina moderna torna-se medicina nuclear. Hoje em dia há 24
milhões de diagnósticos por imagens por ano. Além disso, 18 mil aparelhos de
radioterapia são usados para tratar 5 milhões de pessoas anualmente. Em nossa
sociedade industrial, 25% de todos os pacientes são submetidos a procedimentos
da medicina nuclear para tratamento ou diagnóstico.
Essa
abordagem exclusivamente mecânica da ciência tende a depreciar os valores e os
modos de vida tradicionais. Terapeuticamente falando, nós optamos por tratar as
doenças utilizando drogas e máquinas. Sem entender a raiz dos problemas, removemos
partes do organismo, estimulamos mecanicamente nossos órgãos e gradualmente
artificializamos nossos corpos. Nós compreendemos apenas o comportamento mecânico:
se administramos quimioterapia ou radioterapia, o paciente responde desta ou
daquela forma. Quais são, porém, os efeitos profundos de tais tratamentos ou
como eles podem afetar a energia da pessoa como um todo integrado, isso nós não
sabemos.
Quase
nunca nos ocorre que temos provocado doença, sofrimento e dor em nós próprios,
por causa de um longo período de desequilíbrio em nosso modo de pensar, comer e
viver. Na guerra contra o câncer, doenças do coração e outros distúrbios, os
tratamentos envolvem uma variedade de procedimentos cada vez mais violentos
para proteger as células saudáveis e derrotar as células doentes. Esses métodos
são similares, no que diz respeito ao objetivo e execução, a aqueles programados
em larga escala por lideranças militares e políticas para proteger cidadãos de
um ataque em nome da soberania nacional.
Nossos
desequilíbrios sociais tomam um rumo de desenvolvimento similar aos nossos
desequilíbrios individuais. O padrão de degeneração progressiva, de simples
conflitos mais sérios, pode ser constatado na disputa entre famílias,
comunidades, estados e nações. Esses conflitos geralmente começam com
discussões e ameaças e terminam com explosões de violência e comportamentos agressivos.
O processo é quase sempre o mesmo, da confrontação e polarização para a guerra
e destruição.
Mas
nenhum desequilíbrio é responsabilidade de um somente. Agimos, todavia como se
assim o fosse, preferindo a intolerância à cooperação. Em vez de buscarmos uma
solução pacífica que reconcilie os envolvidos e leve em conta o seu bem estar e
necessidades, além, é claro, das necessidades do meio ambiente e das gerações futuras,
nós nos refugiamos em nossos objetivos mesquinhos, limitados e imediatos.
O
terrorismo, a revolta e os motins só ocorrem porque a sociedade confia
demasiadamente na força militar e negligencia os fatores básicos que geram desequilíbrios.
O fracasso em tentar suprimir revoluções recorrendo à violência tem sido
constatado no sudeste da Ásia, no Afeganistão, na América Central, no Oriente Médio,
em Los Angeles e outras cidades da América e nas demais áreas de recentes
conflitos.
Em
termos planetários, essa visão maniqueísta tem levado à doutrina da soberania nacional.
Para deter o avanço das armas nucleares, devemos transcender a condição de cidadãos
de um único país e passar a encarar a nós próprios com cidadãos do mundo. Porque
se vêem como entidades separadas, os estados nações se acham no direito de
construir e usar armas nucleares com o fim de proteger seus territórios. Se
todos os estados se unissem e formassem uma federação mundial, limitando assim
sua soberania, não haveria mais interesses nacionais a defender. Até
recentemente, a ONU carecia de autoridade para intervir nas questões da guerra
fria, a ONU tem começado a desempenhar um papel mais ativo no oriente Médio, no
sudeste da Ásia e em outras áreas de conflito. A menos que a decisão de suas
lideranças seja correta, outros sistemas de opressão podem surgir. Por
conseguinte, é importante que os direitos humanos básicos, assim como a
diversidade política, econômica, social e cultural, sejam respeitados.
Quantas
vezes temos encarado os problemas sociais, do crime à guerra, das drogas ao
colapso da família, como um câncer que se espalha pela comunidade? Como o
câncer individual, nossos principais problemas sociais são caracterizados pelo
crescimento descontrolado - consumo e desenvolvimento excessivo - e nossos
tratamentos são violentos e autodestrutivos. Em todas as dimensões da vida, ao
uso da força mostra-se contra producente. Os meios violentos com que produzimos
nossos alimentos, tratamos nossos próprios corpos e lidamos com os conflitos,
devem ser substituídos por métodos pacíficos e harmoniosos."
Camila, belo resgate. Te indico o livro "O tempo e o cão", da Maria Rita Kehl. Vencedor do prêmio Jabuti em 2010. Fala um pouco da relação entre aspectos sociais e manifestações individuais de crise, focando na depressão...recomendo.
ResponderExcluirBeijocas