quarta-feira, 19 de outubro de 2011

A Dose Certa


Quem acompanha os meus textos aqui no blog sabe que eu adoro falar de comida e alimentação. Sabe também que eu nasci e me criei com hábitos alimentares bem peculiares dentro da filosofia macrobiótica, sendo que a primeira vez que conheci alguém que seguia o mesmo tipo de alimentação que eu foi aos 26 anos.

Com esse breve histórico deve ser fácil imaginar o quanto tive que aprender a socializar e não me sentir diferente das pessoas em geral. Realmente nunca me senti! Estudei em uma escola de turno integral, onde algumas pessoas levavam seus almoços, mas a grande maioria almoçava na cantina. Eu ia feliz da vida com a minha marmitinha e raspava toda a comida que minha mãe colocava para mim (caso contrário o lanche da tarde era o resto do almoço). Assim, fui educada a comer o que houvesse e principalmente a não deixar restos no prato.

Lembro como se fosse ontem quando meu primo nasceu e minha mãe teve que acompanhar o parto e por conta disso não teve tempo de preparar meu almoço. Tive que almoçar na cantina da escola: lembro até hoje do meu primeiro filé de frango com arroz branco e purê de batatas. Inesquecível porque tive uma diarréia terrível à tarde, quando cheguei ao clube para a aula de natação. Nunca tinha tido diarréia decorrente de alimentação antes e este episódio me marcou. Até hoje não sei se foi a comida, a gordura nela ou o sal refinado. Sei somente que o que era prato do dia para todas as crianças foi uma pancada em meu estômago.

Durante muito tempo me questionei sobre essa maior sensibilidade à comida, pensando ser algo negativo e limitador. Depois comecei a perceber as vantagens de ser mais sensível e consequentemente mais intuitiva. Com o tempo eu mesma passei a repudiar certas comidas e quando não tem jeito e preciso comer algo que foge à minha rotina o segredo é dosar, afinal a maior diferença entre o remédio e o veneno é a dose. Até a comida mais esdrúxula, se for uma pequena quantidade, não acontece nada. Uma boa tática é evitar ir pros lugares com fome (se alimentar antes de sair de casa) e quando souber que vai passar muito tempo fora de casa levar um lanchinho na bolsa ou procurar um lugar que venda algo adequado.

Outra experiência recorrente é quando vou para a casa de alguém que sabe que tenho uma dieta diferente. Se a pessoa não souber, disfarço (belisco alguma coisinha) e prefiro nem comentar, porque se não as pessoas ficam preocupadíssimas em descobrir algo para lhe oferecer e é um constrangimento danado. Quando sabem e me convidam, normalmente se preocupam em fazer uma saladinha, um peixe, uma massa com molho branco ou de tomate... Enfim, tem de tudo!! Tem gente que faz umas sobremesas diet, me oferece sucos cheios de açúcar e no meio disso tenho que dosar o que como e o que educadamente dispenso, pois não dá para sair esculhambando tudo que te oferecem, principalmente quando é feito na maior boa vontade, com toda uma preocupação em agradar e acertar. Quando tenho mais intimidade é mais fácil, se deixar até levo a minha comida, mas muitas vezes não é isso que acontece.

Sempre reparei que as pessoas que são novas em estilos de vida natural, vegetariano, vegano, macrobiótico... não importa o nome, geralmente tem uma certa dificuldade em adequar a alimentação fora de casa ficando muitas vezes um pouco anti-sociais. Desde pequena sempre escutei das pessoas que não dava trabalho nenhum na casa dos outros e isso acontece, pois tenho em mente sempre o que é a regra e o que é a exceção. Claro que tem coisas que não abro exceção mesmo, como carne vermelha, por exemplo, e açúcar, mas são absolutamente contornáveis... Ninguém serve só carne, sempre haverá algum acompanhamento, nem que seja arroz, feijão (se tiver sido cozinhado na carne eu separo só os grãos e como um pouco com a consciência que aquilo não vai me matar) e uma saladinha (mesmo que seja a mais sem graça do mundo). Sobremesas, não são obrigatórias (tanta gente recusa por ser diabético ou estar de dieta que não pega mal) e refrigerante é facílimo, pois se tem uma coisa que encontramos em qualquer lugar é água!! Acho que nessas ocasiões temos que dosar quantas coisas recusamos, quantas aceitamos e mostrar que o foco de estar ali não é a comida e que o anfitrião não precisa se preocupar.

O mais importante é ter em mente que quando temos mantemos uma rotina saudável, podemos sem medo e sem culpa provar uma coisinha aqui ou ali tendo a consciência de que a exceção não pode virar rotina. Então, se você resolveu só comer coisas integrais, não é o pão branco, quentinho e delicioso do couvert de um restaurante que vai lhe matar. Se não tiver vontade de comer, tudo bem, mas acredito que é muito pior ficar olhando para ele com fome e vontade de comer, se segurando. Vontades reprimidas sempre tendem a estourar uma hora ou outra, então melhor saciar desejos em pequenas porções aqui ou ali do que deixar isso acumular. Digo isso, pois é muito comum pessoas irem de um extremo a outro, um dia vegetarianos radicais outro dia se acabando na carne, um ano sem comer chocolate o outro ano mergulhando nos doces e por aí vai.

Outra coisa importantíssima é a energia do alimento. Muitas vezes nos oferecem uma comida não muito integral e um pouco fora de nossa rotina, mas que foi feita com carinho por alguém, tentando acertar, especialmente para a gente e está carregada de energias tão boas que vai nutrir a nossa alma muito mais do que uma comida natural de um restaurante feita em larga escala numa cozinha totalmente impessoal. Outro exemplo é o seguinte: Você não toma bebidas alcoólicas, mas está numa confraternização super especial, alguém estoura um champanhe, propõe um brinde e lhe entrega uma taça. Vai recusar?? Claro que não, pede para colocar só um dedinho e toma sem medo de ser feliz. Tenho certeza que aquele golinho e participar desse momento alegre e festivo vai menos nocivo do que ficar de fora dele. Nossa alimentação não é só o alimento que colocamos na nossa boca e mesmo este não nutre somente pelos seus ingredientes, a energia do preparo, a forma como mastigamos, a posição em que sentamos, o ambiente que em que estamos, as pessoas que compartilham a refeição conosco, o som do ambiente... Todos esses fatores influenciam e muito para uma boa nutrição do corpo, da mente e do espírito.

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