terça-feira, 3 de junho de 2014

E se meus pais tivessem decidido que eu era uma criança "transgênero" e me transformado em um menino?

Pensei bastante antes de escrever esse texto, pois falar de assuntos polêmicos é sempre delicado. Entretanto, o caso da criança “transgênero”, que anda circulando pela internet, tem tido uma repercussão bastante preocupante para mim (grande parte das pessoas estão aplaudindo e achando o máximo).

Alguns aspectos me incomodaram no caso:
1)      A exposição. A situação já é em si delicada, ao ser exposta em rede social como foi, a criança passa a lidar exaustivamente com um tema que definitivamente não é apropriado para uma criança tão pequena.
2)      A idade da criança. Incomoda-me esse exagero de temáticas sexuais voltadas ao público infantil. Hoje os livros didáticos falam em sexualidade em um tom pesado e desnecessário, além do super apelo nos meios de comunicação. A meu ver, sexualidade simplesmente não deve ser uma questão para uma criança de cinco anos.
3)      Minha experiência pessoal no assunto e foi ela que me motivou a escrever este texto.

Foto minha criança: parecia ou não um menininho? 

Fui uma criança hiperativa e como tal, brincadeiras típicas “de meninos” eram sempre mais atraentes para mim. Até os oito anos morei em um prédio onde só tinham crianças do sexo oposto ao meu. Logo, cresci brincando de espada e não me conformava em ter que vestir uma camisa para descer enquanto todos os meninos podiam descer sem camisa. Sexualidade não era uma questão, pelo contrário, minha mente era tão assexuada que não conseguia entender a necessidade de usar uma camisa, uma vez que não via diferença entre meu membro superior e os dos meninos do meu prédio.

Nunca brinquei de boneca e sempre gostei de me juntar com os meninos da escola para aprontar "coisas de meninos". Meu comportamento sempre foi longe do exemplar... Não me recordo de adorar nenhuma princesa, meus desenhos prediletos da infância eram aqueles de luta, como: Jaspion, Jiraya e Changeman. Nunca tive Lego (no meu tempo Barbie era para meninas e Lego para meninos), tive uma coleção da Barbie que era mais um enfeite do que um brinquedo e ficava contando os dias para ir na casa dos meus primos para brincar com os Legos dele, amava!!!

Tive cabelo curto desde muito cedo e nunca fui de usar lacinhos, passadeiras e enfeites (não tinha nem como). Fazia chantagem nas lojas de roupa com a minha mãe: só aceitava que ela comprasse um vestido para mim, se me desse um short e uma camiseta também. Não suportava usar meia-calça e o primeiro dinheiro que juntei na vida usei para comprar a minha primeira calça jeans, aos 10 anos.

Nunca tive muitos bons modos para usar vestidos e saias e até hoje meu estilo de vestir é extremamente prático, confortável, sem nenhuma afinidade com roupas curtas, coladas e especialmente saias. Sou fã de um tênis, uma calça confortável e uma camisa de malha.

Sou muito diferente de minha irmã, que sempre amou brincar de bonecas, foi dama-de-honra profissional, devido aos seus bons modos desde pequena e facilidade em usar vestido, meia-calça, sapato de verniz, laços, fitas e adereços, além de ter começado o ballet aos 4 anos de idade e ter sido sempre uma “boneca”, de comportamento exemplar, exímia dançarina.

Meus pais, graças a Deus, tiveram o bom senso de perceber que eu não tinha nada a ver com a minha irmã. Nem cogitaram me colocar no ballet: fiz natação e basquete. Nunca fiz nenhum tipo de dança. Agora me pergunto: e se meus pais tivessem resolvido achar que eu era transgênero e tivessem me transformado em um “menino” aos cinco anos, por eu apresentar mais características de uma pessoa do sexo masculino do que feminino?

Minha preocupação com a repercussão do caso que está sendo divulgado na mídia é exatamente essa. E se a moda pega? Como eu, tenho outras amigas que adoravam jogar bola, andavam com meninos, nunca tiveram características consideradas femininas e, no entanto, ao entrarem na puberdade, foram aos poucos tendo a feminilidade aflorada. Acho que com cinco anos de idade a criança é simplesmente uma criança.

Os pais podem deixar uma menina se comportar como menino, sem criar um caso em cima disso e nem rotular. Quer usar short, fazer aula de bateria, jogar futebol, usar cabelo curto? Deixa tudo! Mas tomar uma medida drástica de transformar uma menina de cinco anos em um menino me parece uma atitude demasiadamente severa, considerando que os hormônios que irão definir os interesses sexuais desta criança ainda nem se manifestaram.

Não dá para negar o fato de fisiologicamente essa pessoa ainda ser do sexo feminino. Esse “menino” vai dormir na casa dos amigos e quando trocar de roupa na frente dos coleguinhas perceberá que possuem genitálias diferentes... Quando for usar um mictório público sempre terá que entrar na cabine... E quando a adolescência chegar? O que fará com os seios? Como será na praia? Usará biquíni ou sunga? Ser adolescente e lidar com as transformações do corpo já é bem difícil. Passar por isso em um corpo do sexo oposto, que seus pais decidiram ser o melhor para você, ainda aos cinco anos, deve ser mais do que complexo! Isso sim para mim pode dar um nó na cabeça de alguém e até levar ao suicídio.

Sinceramente, rezo para que essa moda não pegue. Para que os pais deixem seus filhos livres com as suas escolhas durante a infância, sem impor que precisam ter cabelos longos ou curtos, usar shorts, vestidos, azul ou cor-de-rosa. Que os pais não transformem a sexualidade das crianças em uma questão durante a infância, que deixem que sejam simplesmente crianças e esperem a chegada da adolescência e idade adulta para que possam ter maturidade e discernimento para decidirem por conta própria o time para o qual desejam torcer.  

P.S.: Claro que em algum momento da infância eu questionei porque os meninos faziam xixi em pé e eu precisava sentar ou me agachar. Simples curiosidade infantil e claro que parecia que os homens tinham uma vantagem neste aspecto (especialmente na estrada). Entretanto, este pensamento está longe de ser falta de aceitação da própria sexualidade. Sinceramente, acho que a interpretação maliciosa do que uma criança fala ou questiona acerca de qualquer tema relacionado à sexualidade está na cabeça do adultos, que querem ver problemas sexuais em tudo, as crianças estão apenas questionando, querendo entender e descobrir o mundo que lhes cerca!

8 comentários:

  1. ... concordo em gênero, grau e número, Camila!!

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  2. Este comentário foi removido pelo autor.

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  3. muito legal seu texto mila! expos exemplificando-se muito bom!

    joao adami

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  4. Mais um excelente texto Camel, concordo com o q vc disse: Criança é criança

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  5. Camila parabéns pelo seu post, acho muito interesssante a sua sugestão de se ter cuidado em não querer rotular uma criança de “transgênero” apenas por gostar de brincadeiras mais comuns no sexo oposto, mas acho também que temos que ter cuidado para não cair no outro extremo, o de rejeitar a existência de uma condição que pode ser real e que mereça tratamento diferenciado. Esse seu texto foi meu 1º contato com este tema e me chama muito a atenção a fala da criança em estar insatisfeita com o próprio corpo. Já vi muitos relatos de mulheres que quando crianças se identificavam com brincadeiras “de meninos” mas nunca um relato de que o próprio corpo e aparência fossem causa de sofrimento.
    Estamos cansados das inversões arbitrárias de valores no mundo e em especial no nosso país, mas precisamos de cuidado para não desacreditar na existência de reais diferenças entre os indivíduos e achar que o elemento que diferencia a história dos outros da nossa seja mero capricho dos outros.
    Acompanho seu blog e adoro. Sei que é fonte certeira de reflexões e novidades. Parabéns!

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    1. Oi Aline,

      Grata por seu comentário, incentivo, elogios e participação por aqui!!

      Acredite, fiquei dias pensando sobre isso quando tive o primeiro contato com o tema. Pesquisei casos anteriores e inclusive me deparei com uma história cavernosa de transformação sexual na infância (mesmo pretexto de ser uma criança transgênero), que na adolescencia tentou ser revertida (a criança no fim das contas não era transgênero coisa nenhuma) e acabou resultando em suicídio...

      Rejeitar o próprio corpo é complicadíssimo, mas no caso dessa criança, se este for o problema, ele continua existindo, uma vez que o que mudou foi por fora... Por dentro ela continua tendo uma vagina de menina. E a confusão na cabeça desse "menino" que não ver ver a voz engrossar, não vai ter barba, vai menstruar, ganhar curvas e seios?? Se a adolescência não é fácil, imagine com uma barafunda dessas, ainda por cima para um ser que já tem um histórico de insatisfação com o próprio corpo.

      Existem outras formas de não aceitação do próprio corpo, consideradas distúrbios. Crianças obesas, por exemplo, muitas vezes têm dificuldade em aceitar o próprio corpo... Anerexicas e bulímicas idem.

      Não estou querendo subestimar a possível existência de algum transtorno, somente refletindo se não há uma solução menos drástica, que exponha menos a criança e menos arriscada, em termos de tudo mudar com a chegada da adolescência. Será que uma família que ofereça amor incondicional, todas as condições para a formação saudável e feliz desta criança e um acompanhamento com psicólogo não são suficientes, pelo menos até a chegada da adolescência, para que esta criança possa ter uma noção maior da própria existência e definir o que deseja ser sozinha, sabendo das consequências que irá enfrentar?

      Acredito que mesmo que essa criança seja de fato transgênero, dificilmente a decisão que os pais tomaram por ela, irá fazer com que ela passe por uma adolescência sem conflitos. Afinal, ela será um homem, no corpo de mulher... Uma coisa é você decidir ser um travesti depois de adulto: sabendo de todos os ônus e bônus disso, outra coisa é você passar por isso sem qualquer noção das consequências que lhe aguardam. Minha cabeça dá um nó só de pensar no desenvolvimento desta criança, imagine ela que irá viver isso na pele.

      Será mesmo que a decisão dos pais amenizou um sofrimento futuro?? Será que não foi precipitada? Será que é um bom exemplo a ser divulgado, incentivado e seguindo?? É este o meu questionamento e sinceramente, por não ter uma bola de cristal para prever o futuro é impossível não ponderar o outro lado da moeda, levando em consideração até a possibilidade dessa criança ter a chance de se desenvolver naturalmente dentro do sexo que ela nasceu... Já pensou se quando os hormônios dela chegarem ela tiver a feminilidade dela aflorada e se sentir aprisionada numa "persona" masculina, tendo sido chamada dele "ele" a vida toda?

      Enfim, só o tempo dirá. Torço pelo melhor e pela felicidade deste ser humano!

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  6. Não concordo com o texto, pois a autora "esqueceu" o elemento principal que faz com que uma criança seja transgênero: o "sentir-se" do gênero oposto. A autora menciona ter vivenciado todas as expressões e papeis do gênero masculino (gostava de brincadeiras e roupas ditas masculinas), mas em momento algum menciona ter o sentimento de "ser" um menino. Não são as roupas ou as brincadeiras que definem o gênero ou a orientação sexual de uma criança.
    Ninguém decide identidade de gênero e orientação sexual por ninguém. Ninguém é gay, lésbica, travesti, bissexual e/ ou transgênero por que quer ou por decisão dos pais ou quem quer que seja. Maria Cristina Martins - Psicóloga Clinica e Sexóloga.

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    1. Maria Cristina,

      Grata por sua colaboração. Tenho poucas recordações de como me sentia durante a infância, pois acho que estas questões existenciais só começam a surgir com a partir da adolescência. Eu em determinado período tinha CONVICÇÃO de que era filha da Xuxa, porque era lourinha e todo mundo me chamava de "filha da Xuxa". Crianças são assim: podem sentir e acreditar nas coisas mais absurdas: são ingênuas, sonhadoras e por estarem em formação não tem filtros para mencionar o que é possível ou impossível. Toda a visão e noção da minha infância vieram para mim depois que cresci, amadureci e passei a questionar o mundo, olhar para o passado - chatices de gente grande. Crianças são simplesmente seres felizes, curiosos, que vivem a cada dia uma nova descoberta e colecionam experiências que virão a formar a sua personalidade e expressão na fase adulta... Sinceramente, uma criança de cinco anos está descobrindo o sua existência no mundo ainda, não tem noção nem do que é orientação sexual para definir qualquer coisa! Eu, aos 30 ainda tenho um tanto de mistérios não desvendados, dúvidas e questionamentos... Respeito o seu ponto de vista, para mim é impossível achar que exista tanta certeza e noção de existência para uma criança de apenas cinco anos...

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