quarta-feira, 5 de março de 2014

Impactos culturais nos padrões alimentares da sociedade moderna

O ritual de sentar à mesa durante as refeições, nutre não só a parte alimentar, como o ambiente familiar como um todo. Imagem retirada do Google Imagens

Ontem, Rodrigo Constantino publicou uma matéria muito boa sobre a ligação entre a má nutrição e a cultura. Como vocês sabem, sou defensora mor de bons hábitos alimentares e acredito que poderão ser decisivos na melhoria do estado de saúde da sociedade, que anda patológica como um todo.

Existe um ditado, que repito em diferentes circunstâncias da vida, que diz que o ótimo é inimigo do bom e na nutrição não é diferente: ele se aplica como uma luva.

Por exemplo: claro que comer orgânicos e fugir dos transgênicos é ótimo, mas nem sempre é possível. E no meio do caminho existem opções razoáveis e bastante acessíveis. Eu mesma, infelizmente não consigo abastecer minha despensa e geladeira somente com orgânicos. Por dois motivos: preço e disponibilidade no mercado. Nem por isso deixo de comer uma variedade de hortaliças e por experiência própria sei que fazer escolhas inteligentes e saudáveis não significa gastar muito.

Em minha feira não entra praticamente nada industrializado. Com exceção da ala dos produtos secos (leguminosas e cereais), quase tudo que compro está na seção de hortifrúti e sabendo escolher os produtos da época, a conta não fica cara. É infinitamente mais barata e nutritiva que produtos absolutamente descartáveis, que vejo em abundância nos carrinhos, inclusive de gente bem pobre, nos supermercados, como: refrigerantes, sucos de caixa, refrescos, gelatinas, balas, bombons, açúcar, temperos prontos, biscoitos, salgadinhos, macarrão instantâneo, sopas e molhos prontos, enlatados, congelados como: nuggets, pizzas e almôndegas, requeijão e muitos outros. Sabe a grande diferença desses produtos e os que costumo comprar? É que o primeiro grupo necessita ser preparado e o segundo vem pronto: não tem nada a ver com preço e acesso democrático à alimentos de alta qualidade nutricional. Sim, porque uma cenoura, mesmo que com agrotóxico, é muito mais saudável do que um biscoito açucarado e pode custar cerca de R$1,00/quilo, ou seja, uma unidade custa poucos centavos.

Sim, os agrotóxicos existem... Assim como também existe poluição no ar que respiramos, química na água que bebemos, radiações cancerígenas por todas as partes. Por isso, não vale a pena ficarmos neuróticos com essa questão de orgânicos, afinal, nunca estaremos livres de agentes potencialmente patogênicos. Prefiro pensar de outra forma: se pouparmos nosso fígado (órgão responsável pelo metabolismo de agentes químicos no organismo) de processar outros produtos químicos (presentes em todos os alimentos industrializados), ingerirmos pouco ou nenhum álcool e açúcar, não adoecer e portanto, não tomar remédios, o fígado estará em plena condição de metabolizar e excretar os agrotóxicos presentes nos alimentos. Vejo um monte de gente que intoxica o corpo com todo tipo de coisa e depois come orgânicos e depois se acha super saudável por isso. Uma tremenda ilusão e inversão.

Há mais de quatro anos escrevi um texto falando sobre O papel da família nas sociedades modernas e no ano passado abordei este tema em outro texto chamado Proibir ou educar?: recomendo a leitura destes textos para que entendam melhor o meu ponto de vista no texto que agora escrevo. É muito simples querer culpar o sistema pelos péssimos hábitos alimentares da sociedade moderna. É mais fácil do que dizer que as famílias estão cada vez mais segregadas, sem o cultivo de valores básicos como o hábito de fazer refeições à mesa, com comida de verdade, que precisa de fogão para preparar e talher para comer. É mais fácil do que admitir que as mães estão cada vez mais preguiçosas e que preferem passar horas em frente à TV do que preparando o alimento que irá nutrir a família. Sim, porque o problema não é a falta de tempo para isso e sim a mudança de prioridades - onde é preferível hipnotizar um filho na TV ou computador do que brincar, estudar ou ler um livro com ele. Hoje em dia ninguém quer ter trabalho... Quem tem dinheiro contrata babá para terceirizar a educação dos filhos e cozinheira para terceirizar a alimentação da família. Quem não tem dinheiro terceiriza a educação para a TV e a alimentação para as comidas que vêm prontas para consumo. Depois, essas mesmas pessoas reclamam que seus filhos estão mal-criados e que só gostam de comer besteira e têm aversão às verduras e frutas. O problema da má nutrição não é privilégio de uma ou outra classe social e sim algo generalizado, que tem sua fonte na preguiça de dedicar tempo à educação doméstica.

Em um passado não muito distante, alguns dos produtos que hoje podem ser adquiridos por pessoas de todas as classes, eram privilégio de gente rica: como biscoitos recheados, salgadinhos e refrigerantes. Se hoje estão disponíveis em baixos preços, a única culpada é a infalível lei da oferta e da procura. Esta é a mesma lei que faz com que hoje, no famoso país do junk food, exista praticamente uma loja da rede Whole Foods em cada bairro, com marcas e preços tão competitivos quanto de produtos não saudáveis em mercados convencionais. O acesso à alimentação saudável só aumentará com o aumento de sua procura, o que consequentemente pressionará os preços. Ou seja, se tem um sistema que pode ajudar a democratizar a oferta de alimentos saudáveis, este sistema é o capitalismo, que fomenta a maior produção somente daquilo que a população tem intenção de comprar. 

Resumindo, nesta questão não cabe procurar culpados para apontar o dedo ou achar que a proibição é uma solução. O ato de proibir, seja lá o que for, só gera contravenção e violência. Já imaginou se a Coca-Cola fosse proibida? Os indivíduos que são viciados neste produto (não são poucos) passariam a adquiri-la como hoje são adquiridas drogas ilícitas, fomentando um mercado negro e perigoso. 

Só existe uma solução e esta, como em tantos outros problemas, se chama: educação. No caso da nutrição, apesar das escolas poderem colaborar, oferecendo opções saudáveis e alguma abordagem em sala de aula, o principal foco está em casa. Enquanto os pais não derem bons exemplos aos seus filhos, estes não irão se alimentar com qualidade. Educar dá trabalho e o maior erro da sociedade moderna é acreditar que este é um trabalho do Estado. Já diz o ditado: "Quem pariu Matheus que balance". Enquanto as pessoas não souberem o ônus e o bônus de colocar uma criança no mundo não assumirão a completa responsabilidade de gerar uma vida. Ninguém tem mais amor por um filho do que os seus pais e por isso é impossível pensar que uma educação terceirizada será mais eficiente do que a educação doméstica. Nenhuma professora de creche ou babá dará mais amor, carinho e atenção a uma criança do que os seus pais. Enquanto ter filho, significar aumentar a renda doméstica, com Bolsa Família, Bolsa Carinhoso, Bolsa Enxoval e outros benefícios que estimulam a procriação desenfreada, e não a realização do um sonho de um casal que se ama, a preguiça em educar será sempre maior do que o amor a ser oferecido às próximas gerações. O mais triste é saber que quem sofre as maiores consequências desta total inversão de valores são seres que sequer pediram para estar nesse mundo.

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